Neuroeducação: Dever e Direito Fundamentais

George Steiner afirmava “não poder existir família ou sistema social, por mais isolados e rudimentares que sejam, sem que haja ensino e aprendizagem, sem a maestria conquistada e a condição de aprendiz.”

A importância dos processos educacionais de ensino/aprendizagem, originou uma tradição ocidental sobre educação, caracterizada por juízos de valor sobre conteúdos e metodologias e, também, avaliações objetivas quanto às suas utilidade e eficácia.

A partir dessa visão, há quem afirme que “ensinar seriamente é pôr as mãos no que há de mais vital no ser humano” e que o “mau ensino é, quase literalmente, assassino e, metaforicamente, um pecado”.

Todos sabemos que a educação e seus agentes sempre foram postos à prova, especialmente quando se trata de educação de crianças e adolescentes.

Essas percepções sobre a educação tiveram suas consequências. Foram elas, por exemplo, que inspiraram os deputados constituintes de 1988. Estes, convencidos de que sem educação a sociedade não se desenvolve, fizeram a Constituição da República tratar a educação como direito e dever fundamentais, determinando os princípios que devem reger as políticas e as práticas educacionais.  

O artigo 205 da Constituição declara que a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

É, sob qualquer aspecto, uma declaração louvável. Institui a educação como direito de todos e dever do Estado e da família e valoriza o máximo desenvolvimento da pessoa.

A partir dessas premissas, a educação – entendida como a aplicação dos métodos próprios para assegurar a formação e o desenvolvimento físico, intelectual e moral de um ser humano – seria concebida segundo os melhores métodos e técnicas então conhecidos.

E é possível reconhecer que – mesmo que a melhor educação ainda não tenha sido universalizada e que as diferenças entre o ensino público e o ensino privado continuem abissais – a partir daquele marco regulatório, novos e potentes esforços foram implementados com vistas ao aperfeiçoamento das práticas educacionais.

Para induzir o respeito da sociedade e das instituições públicas e privadas pelo novo status da educação, os legisladores produziram importantes leis. Cite-se, por exemplo, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECRIAD, 1990) e também a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB, 1996). Essas leis fortaleceram a dimensão dever/direito da norma constitucional ao abrir as portas da escola pública fundamental a todos os brasileiros, pois, diziam os legisladores, nenhum brasileiro ficará sem acesso à educação por falta de vaga.

Mais recentemente, em notável avanço civilizatório, adveio a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência, 2015). Embora criticada, sobretudo por certa fluidez semântica, trata-se de mais um esforço normativo para promover o pleno desenvolvimento da pessoa. No caso, o olhar se dirige àqueles que, por qualquer motivo, demandam atenção específica como forma de contornar características que, eventualmente, tornam inadequados os aparelhos e métodos regularmente aplicados.

Contudo, decorridos mais de trinta anos, o conceito de pleno desenvolvimento da pessoa recebeu nova dimensão, em especial após advento dos estudos dos saberes desenvolvidos no âmbito do que foi chamado Mente, Cérebro e Educação, uma área do conhecimento científico também denominada neuroeducação, só tornada possível pelas pesquisas em neurociências.

De fato, ao final da segunda metade do século XX um conjunto de fatores sociais, culturais e científicos fez surgir as neurociências, donde deriva essa nova área de estudos e pesquisa, de natureza transdisciplinar – pois atravessa os saberes das neurociências, da psicologia e dos estudos multidisciplinares em educação.

O que orienta pesquisa e prática em neuroeducação é a certeza – neurocientificamente amparada – de que a compreensão do funcionamento do cérebro permite enfrentar melhor o problema das limitações e das potencialidades que podem ser mobilizadas nos processos educacionais.

Os resultados das pesquisas em neuroeducação conferem autoridade a esse argumento: conhecer o cérebro e seu funcionamento é fundamental para a promoção do esperado pleno desenvolvimento da pessoa.

A neuroeducação tem demonstrado ser a disciplina adequada para guiar as discussões sobre políticas educacionais e suas práticas em geral, bem como indicar as intervenções exigidas para o enfrentamento pedagógico das dificuldades ou transtornos de aprendizagem. Sem fundamentos neurocientíficos, a educação continuará entregue a uma tradição baseada em ideologias, dogmas e práticas descolados das expectativas e demandas do ser humano em sua integridade.

Muito se destaca a evolução vivida pela medicina quando, a partir dos anos 1970, foi desenvolvido o pensamento – com efeitos acadêmicos, metodológicos e clínicos – de uma medicina baseada em evidências científicas. Realmente, a medicina ganhou eficiência e maior credibilidade a partir de sua ancoragem nessas evidências.

Três décadas após a Constituição instituir a educação como um direito e um dever essenciais para o desenvolvimento da sociedade, é necessário atualizar o pensamento reconhecendo que, diante do que nos dizem as pesquisas e as práticas decorrentes dos estudos do cérebro em sua interação com o corpo por meios de seus sistemas, é preciso instituir uma educação baseada em evidências neurocientíficas.

Numa assertiva final: se a proposta contida na Constituição mira no pleno desenvolvimento da pessoa por meio da educação, as políticas públicas e as práticas educacionais não podem prescindir dos saberes neuroeducacionais. A partir dessa compreensão, a neuroeducação é, então, o novo direito e o novo dever fundamentais.

Autor:

Caleb Salomão Pereira

Caleb Salomão Pereira

Advogado. Neuroeducador. Mestre e Doutor em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Professor de Ética, Direitos Humanos e Direito Constitucional.

Autor:

Caleb Salomão Pereira

Caleb Salomão Pereira

Advogado. Neuroeducador. Mestre e Doutor em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Professor de Ética, Direitos Humanos e Direito Constitucional.

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Caleb Salomão Pereira

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Advogado. Neuroeducador. Mestre e Doutor em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Professor de Ética, Direitos Humanos e Direito Constitucional.

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